A nova esquerda: artigo publicado no Jornal Estado de Minas

Transcrevo o artigo abaixo, publicado nesse dia 28 de outubro de 2014, no jornal Estado de Minas



Uma nova esquerda

Dan M. Kraft
Advogado e Professor de Direito no Brasil e no Canadá

           
            Parte da esquerda brasileira, cultivada e civilizada, não radicalizada pelo discurso cubano ou soviético, identificou-se com seus congêneres franceses, de natureza tradicional, reflexiva ou até mesmo nobiliária.
            Quase vencedor das eleições em 1974, foi apenas em 1981 que François Miterrand chegou ao poder, portando a bandeira socialista. O país ficou absolutamente dividido entre os que temiam suas promessas socializadoras e líderes sindicais que desejavam impor um novo regime de partilha da propriedade privada.
O experimento socialista de Mitterrand na presidência francesa contrastou radicalmente com a onda neoliberal promovida por três líderes contemporâneos seus: Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher na Inglaterra e Yasuhiro Nakasone no Japão. Um abismo abriu-se entre esses dois mundos. Tudo culminou em 1989, com o fim do comunismo soviético e uma pretensiosa avaliação de que o capitalismo havia vencido a guerra fria.
            Artistas, acadêmicos e intelectuais brasileiros encontraram refúgio na França de Miterrand durante a carestia brasileira. Foram ver de perto o experimento que inspiraria suas ambições. Líderes políticos, incluindo Fernando Henrique Cardoso e Lula, beberam das idéias de intelectuais franceses, cada um absorvendo o que seu intelecto lhe permitia.
            Esgotado o experimento francês, o país perdeu a oportunidade de efetuar a necessária reforma do estado. Com Mitterrand tudo se agigantou e afugentou investimentos, que migraram para países vizinhos, especialmente a Inglaterra. Recentemente, a latente tendência socialista francesa elegeu François Hollande, membro da nobreza de esquerda daquele país, que ao trocar os pés pelas mãos concede derrota e quebra progressivamente seu país.
            A França hoje descumpre compromissos fiscais europeus, desconhece suas obrigações orçamentárias e se endivida a níveis inadministráveis. A perseguição aos proprietários, empresários e uma derrama paralisaram aquele país. Se os franceses já estavam mal antes da crise de 2008, esta apenas lhes fez piorar. Hollande mostra-se um socialista populista, incapaz de fazer o país funcionar e entregar sequer uma pequena parcela das promessas de prosperidade.
            A esquerda francesa já se questiona. O Partido Socialista francês constata que sua relação com o capital e as medidas que o afugentaram são contraproducentes. De nada adianta muitos direitos a trabalhadores se não há quem lhes empregue.
            Hoje não há mais espaço para experimentos neoliberais na América Latina, ou seja, aqueles dos anos 90, na seqüência do que ocorreu nos EUA, Inglaterra e Japão. Por outro lado, não há também mais espaço para experimentos socialistas como o francês e o brasileiro inaugurado em 2003. É desnecessário comparar-nos ao bolivarianismo chavista, que persiste, mas aos poucos se extingue. O próprio boliviano Evo Morales optou por via alternativa, fechando acordos bilaterais de comércio e abrindo seu país a investimentos estrangeiros, diante da constatação de que o sonho pueril da esquerda festiva é irreal e lesivo.
O Brasil precisará encontrar-se. Após uma eleição destrutiva e predatória, o papel da esquerda brasileira certamente mudará. A reavaliação de consciência e de propósito por que deverão passar os representantes da esquerda gerará profundas mudanças no seu pensar e agir.
A inclusão social e a justiça distributiva, no mundo moderno, não resultam mais de ações de força ou do enfrentamento, no estilo “luta de classes”. O tratamento de questões sociais importantes, para evitar a paralisia institucional, demanda mediação e uma visão participativa onde todos os segmentos da nação precisam ter reconhecimento.
Mitterrand deixou um legado ambivalente. Sua herança financeira ainda pesa aos franceses, que hoje pagam o preço de uma radicalização de políticas que fez o país retroceder economicamente e não estar preparado para os desafios que viriam. Os conflitos sociais atuais são sintomas de um mal antigo.
   O Brasil aproxima-se do ponto de inflexão, pois não mais pode promover avanços através do antagonismo entre capital e trabalho. A esquerda francesa já começa a mudar. E a do Brasil, já terá consciência disso, para sua própria sobrevivência?

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